terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
A história de um Condomínio que poderia ser a de um País (Capítulo I)
Angola
é um país relativamente jovem e com muitos problemas sócio-económicos por
resolver. Devido ao elevado grau de complexidade da nossa sociedade, com um
elevado número de organizações públicas e privadas e de pessoas nelas
envolvidas, é complicado tirar uma fotografia clara dos reais problemas e das
possíveis soluções para os mesmos.
Como
em qualquer pesquisa, uma das formas para melhor entender uma determinada
problemática é estudar uma amostra. Na sociedade Luandense, e no meu entender,
uma das melhores amostras, são os
prédios. Estes reúnem no mesmo espaço a variedade de pessoas que neste momento
compõe as instituições do nosso país, cada um com os seus direitos e obrigações
para com a restante comunidade.
Antes
de começar a contar a história do meu
prédio, é necessário contextualizar. Os prédios de Luanda foram herdados do
tempo colonial e eram habitados essencialmente por Portugueses. O Código Civil
Angolano actualmente válido data de 1967 (antes da independência) e neste estão
definidas as linhas gerais das regras de
conduta dos moradores de edifícios constituídos
em Propriedade Horizontal. Com a independência, houve uma disrupção do sistema
colonial previamente implementado. Muitas das pessoas que habitavam os
apartamentos da cidade saíram de Angola para Portugal, Brasil e África do Sul.
Os prédios foram
habitados por outras pessoas que não encontraram um sistema de gestão de
condomínio implementado, vinham de classes sociais diferentes, sem o mesmo
poder económico e sem os mesmos hábitos e costumes. Naturalmente com o tempo, a
falta de manutenção e a má utilização das infra-estruturas dos edifícios, estes foram deixando de funcionar como era
suposto, para não falar das constantes falhas nos sistemas de distribuição de
água e luz que tiveram um papel muito importante neste processo, pois levaram à
compra de geradores, tanques de água
individuais e à instalação de toda a cablagem e tubagem que daí resulta.
O
resultado foi a gradual destruição e degradação dos edifícios que os Luandenses
aprenderam a aceitar e com as quais
aprenderam, de certa forma , a conviver - “... é a força do hábito que dita as circunstâncias
que cada cidadão acata como aceitáveis, colectivamente insuportáveis ou
democraticamente justas.”[1]
Os
problemas do meu prédio ( de agora em diante referido apenas como “Prédio”) são partilhados
por muitos outros em Luanda e as suas histórias serão provavelmente muito
semelhantes.
Pois
bem, o Prédio já não tem água da rede há muitos anos. Alguns moradores dizem que não há
água da rede desde os anos 90. Já outros
só notaram essa falta nos últimos anos.
Sem dúvida que a verdade verdadeira, que não está escrita em lado nenhum, deve
estar escondida nas memórias perdidas de cada um deles. O que eu sei é que o
prédio neste momento (Fevereiro de 2014) não tem água da rede e já não tinha
quando nele entrei em Outubro de 2013.
A
água é o nosso “petróleo”, sendo o principal dinamizador da nossa economia local.
E assim, acredito que todos ou quase todos os moradores têm um tanque de água
dentro ou fora do seu apartamento.
Existem
4 formas de abastecimento utilizadas. A primeira é feita pelos miúdos que trabalham no prédio e que enchem os tanques de água existentes
dentro dos apartamentos. A segunda forma de abastecimento consiste em encher o tanque que se encontra fora do
apartamento (no pátio ou no terraço) com cisternas. Já a terceira resume-se a encher esses mesmos tanques com água vendida
pelos guardas, roubada das torneiras das lojas que eles próprios guardam. Por último, a quarta forma de
abastecimento consiste em encher o tanque com a água de um vizinho que por
“mérito” tem água da rede.
Eu
quero destacar esta última situação porque ela de certa forma descreve o nosso
sistema “descomunitário” Angolano. É que o tal de vizinho, que conseguiu ligar-se a rede
de um outro prédio e tem o seu tanque sempre cheio e assim excedente de água. O
que permite vender a mesma para outros vizinhos a 200 USD
por mês, pelo que pude averiguar. Talvez tenha razão de ser, pois sem dúvida
houve um investimento que tem que ser recompensado, mas o interessante é que
esse mesmo vizinho é Vice-Presidente da Comissão de Moradores eleita no início
de 2013 e é conhecido no prédio com o
epíteto de “Rei” (de agora em diante referido como “Rei da Água”). Não, meus
amigos, o Vice-Presidente do país não é o único Vice-Presidente com negócios e
eleito para um cargo com directo conflito de interesses.
Aproveito
esta deixa para começar a falar da comissão de moradores do Prédio. Pelo que
soube, um grupo de moradores decidiu no início de 2013 criar uma comissão para
a gestão do condomínio. As razões que levaram estes moradores a juntarem-se
foram, entre outras, o mau cheiro que vinha da parte de trás do Prédio, lugar
onde todos os que por lá passavam faziam as suas necessidades, o estado de
degradação avançada e a delinquência circundante
que se nota devido à proximidade do prédio a uma praça de candongueiros . O
morador mais determinado a mudar a presente situação é um dos antigos do prédio, que por
ser bastante dinâmico e estar ligado ao sector de construção civil foi
naturalmente eleito Presidente da Comissão. O já conhecido “Rei da Água” foi
eleito Vice-Presidente. Acho que para além da água ele deve fornecer outros
produtos ou serviços essenciais aos moradores sobre os quais espero desvendar mais
pormenores nos próximos capítulos. O tesoureiro é outro morador antigo do
prédio, que por algum motivo lhe foi dada essa posição, embora alguns moradores não confiem na sua gestão dos dinheiros, pelo que soube.
Foi-me
contado que no início a adesão foi considerável e aproximadamente 50% dos
moradores pagaram as quotas mensais que variavam entre os 10.000 AKZ e os 5.000
AKZ . Com esse dinheiro, a Comissão contratou uma pessoa para limpar o prédio e
fechou a parte de trás do mesmo. Todavia,
com o passar do tempo, a adesão foi diminuindo e quando entrei em Outubro de
2013 pouca gente estava a pagar as quotas, incluindo o próprio Presidente da
Comissão que queria ver primeiro aberta uma conta bancária para dessa forma ter
a certeza que não havia desvios de dinheiro.
A
história não termina aqui... muito ainda está por contar. [No próximo capítulo
vou contar a iniciativa para aprovar o regulamento do condomínio e o seu resultado].
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